sábado, 2 de maio de 2015

Riso e Choro Ao Mesmo Tempo - Revista Viva Saúde – Perguntas dos Leitores ao Dr. Sander Fridman*

1) Porque às vezes ficamos com os olhos marejados após uma gargalhada?
Resposta: Desconhecemos razão empiricamente comprovada para este fenômeno bem conhecido. É comum encontrar-se uma explicação do tipo biológico para este fenômeno. O sistema límbico, que é uma região central do cérebro, a mais primitiva na evolução deste órgão, é considerado a sede das emoções mais básicas ou primitivas, entre elas a dor, o prazer, o desejo, a raiva. Se este é o “órgão emocional”, então o choro e o riso poderiam ser produzidos concomitantemente por este “órgão”, se ele fosse muito fortemente ativado por estímulos. A explicação não me agrada nem um pouco, pois é inconsistente com nossas observações – por que então observamos apenas a concomitância entre choro e riso, e não entre riso e... raiva, por exemplo?!
Uma maneira alternativa de especular, fundada numa perspectiva psico-emocional, e, portanto, mais empírica e comprovável, porque todos podem ter acesso a esta experiência, dá conta de que o choro que acompanha o riso fala de uma dor que acompanha um gozo ou prazer. Não raro o humor representa o alívio de um perigo ou temor que, em lugar de se abater sobre nós, abate-se sobre outra pessoa, de quem então rimos, como nas palhaçadas e nas “comédias de pastelão”. O choro sinaliza a evocação da dor, vivida ou antecipada (“alucinada”, imaginada) pela coisa que nos provoca o medo (do ridículo, do abuso, do maltrato, da agressão, da humilhação) e o riso sinaliza o prazer do alívio de que, desta vez, o infortúnio não nos atingiu, mas a outrem – o que torna nosso medo mais real, e alívio mais intenso. 
2) É normal que isso aconteça?
Resposta: É sintomático, na medida em que traduz particularidades da experiência íntima da pessoa frente àquilo que lhe desencadeou o riso .
 
 
3) Pode sinalizar alguma doença?
Resposta: A alternância entre choro e riso, e a mistura de choro e riso de modo excessivamente frequente, provocada por qualquer estímulo de conteúdo emocional mínimo, é tipicamente manifestação de uma doença cerebral – a chamada Paralisia Pseudo-Bulbar. Além desta resposta emocional peculiar, se acompanha, comumente, também de uma propensão do paciente a se engasgar fortemente com pequenos estímulos à deglutição (engolir) de alimentos ou líquidos, como se estivesse se afogando, mas, na verdade sem risco real, resultado de uma hipersensibilidade e reatividade exagerada da proteção laríngea contra a asfixia por líquidos ou alimentos. Comumente decorre de múltiplo pequenos infartos cerebrais. Pode ser tratada com medicamentos psiquiátricos – ao menos seu componente emocional (labilidade afetiva intensa) – com o cuidado para que os próprios medicamentos não tornem a pessoa mais propensa ainda aos sucessivos episódios isquêmicos-cerebrais que lhe servem comumente de causa.
 
* Dr. Sander Fridman é neuropsiquiatra, psicanalista cognitivista e psiquiatra forense. É o responsável técnico pela Clínica das Depressões no CM Adventista Silvestre. Foi o diretor científico e organizador do Serviço de Doenças Afetivas (SEDA) da Santa Casa de Porto Alegre de 1991-1996.