sábado, 12 de novembro de 2011

Depressão: Remédios ou Psicoterapia?

Depressão é uma palavra que, no singular, serve a uma visão industrial do sofrimento humano.

É único o sofrimento de cada pessoa, em cada momento de sua vida; uma mesma pessoa não pode atravessar duas vezes as mesmas águas de um rio. Cada pessoa, em cada momento, vive uma experiência incomparável, resultado de sua história, de seu momento, de seus dramas, sonhos, ambições e perdas.

Mas esta visão "unicista" não serve aos agentes que querem vender soluções de uma forma seriada, empacotada, enlatada, em escala industrial, comercial, mundial.  Por exemplo, remédios. Uma indústria que vende remédios tem vantagens em disseminar a idéia de que todas as pessoas deprimidas sofrem de uma doença chamada depressão, que necessita de um tratamento com remédios - de preferência aqueles que ela produz. Quanto mais pessoas se julgarem doentes da depressão, maiores serão suas vendas. Se uma enormidade de pessoas que não sofre de doença depressiva ainda assim julgar-se doente da depressão, tanto melhor para esta indústria, se gerar aumento nas aquisições de medicamentos por ela produzidos. Quanto mais forem ambíguos, inespecíficos, abrangentes os critérios de diagnóstico transmitidos para os médicos que prescrevem, mais pessoas serão "diagnosticadas" com uma "doença depressiva", e mais antidepressivos serão prescritos, para a alegria desta indústria, seus acionistas, seus executivos e seus empregados. Em Agosto de 2011, a IMS Health divulgou que, nos EUA, os antidepressivos foram a segunda classe de medicamentos mais vendida, depois das estatinas redutoras de colesterol  (http://online.wsj.com/article/SB10001424053111903885604576486294087849246.html)

Mas será isto conveniente para pacientes? E para os médicos?

Para indagar-se sobre a conveniência de algo, é indispensável controntá-lo, obviamente, com as alternativas: de que outro modo poderia ser?

Em lugar de Depressão, poderíamos lidar com o conceito de "Depressões" - ou seja, considerar que existem muitos motivos para alguém se ver deprimido.

Poderíamos não lidar com A Depressão como um objeto em si, um fato meramente biológico, que poderia acometer igualmente a uma planta, uma bactéria, um verme, ou uma mosca. E sim  compreender as Depressões como diferentes condições emocionais, das quais o aspecto comumente menos relevante seria talvez a presença da dor depressiva em si. Relevante seria, sim, o drama vivido que levou a pessoa àquela dor, e às saídas emocionais, sociais, espirituais, econômicas e políticas, que podem levar a pessoa para fora de seu sofrimento impotente.

Poderíamos deixar de ver a Depressão de um modo veterinário, des-umano, biológico, mas sim As Depressões como algo intrínseco ao sentimento de impotência existencial, que exige humildade, aprendizado e coragem para superá-la.

Esta teoria da impotência depressiva, demanda que cada caso seja analisado em seu próprio mérito, e os caminhos e escolhas vitais sejam ponderados de acordo com os valores, a história e o momento de cada paciente. Certamente não se presta a uma abordagem industrial, mais bem de um modo artesanal, passo a passo, no máximo, talvez, em grupo.

Não se exclui a possibilidade de que, em casos especiais, um fato cerebral ou hormonal dê conta da ordem das causas, e uma intervenção biológica adquira a primazia da impressão - como nas Demências de Lobo Frontal, no Hipotireoidismo, nas Desnutrições das síndromes malabsoptivas, ou nos efeitos colaterais de tantos medicamentos, a exemplo dos Anti-Hipertensivos.

Mas a conveniência pende, para os médicos, em que direção: humanista ou veterinária? Com valores aviltantes pagos por consultas de planos de saúde, e os atendimentos médicos distribuídos em escala industrial, a solução biológico-indstrial parece encaixar de modo bem mais natural. A própria formação médica, e até mesmo psiquiátrica, destina-se a esta forma de abordagem - veterinária. O humanismo médico vem perdendo terreno de modo muito rápido desde seu auge nos anos ´70. Mesmo os médicos de esquerda assumiram a defesa da prática médica de modo "veterinário", no contexto dos epidemiologistas, que tratam números mais do que pessoas. Adeptos das "escolhas difíceis", da uniformização do atendimento, e do jogo de mostra e esconde, redimidos por se julgarem em melhores condições do que a população para decidirem por ela (como faria um veterinário) - exemplo, a privação de antibióticos do espectro de direitos e poderes discricionários do cidadão. Por outro lado, não são os médicos preparados, instrumentalizados, nem se lhe dão os meios (tempo) para enfrentar um a um os dramas vitais de cada paciente. A escolha pela veterinarização já foi feita, e se traduz nos números astronômicos: somente os dois antidepressivos mais prescritos em 2010, nos EUA, receberam neste ano 64 milhões de prescrições.

Mas as vantagens para os pacientes são claras. Um paciente não é número, não é uma fonte de produção, não é uma fonte de custos para a previdência social, não é uma fonte de lucro para a indústria. Sua alegria, sua criatividade, sua disposição, sua inteligência, sua responsabilidade, sua riqueza pessoal, histórica, comunitária, sua capacidade política e sua capacidade de amar são a própria razão de existir da humanidade, e aquilo que faz valer a pena cada passo, e cada agrura. Antidepressivos não resgatam estas qualidades; enfrentar as situações difíceis com os "remédios" corretos - mais comumente, não os químicos, mas os sociais, os espirituais e os morais - isto sim devolve a humanidade ao ser humano. Esta humanidade, como aqui a conceituamos, e não aquela humanidade veterinária, da supressão química da tristreza, como prevalecer para muitos.