sábado, 10 de dezembro de 2011

O Tratamento da Depressão

Tantos são os recursos terapêuticos para superar a depressão, quanto variados são os modos com que uma pessoa pode ser levada a um adoecimento de tipo depressivo, e as diversas formas de ajuda de que pode necessitar como condição para sua melhora.

As condições de tipo depressivo caracterizam-se pela presença de alguns dos seguintes sintomas: tristeza, desinteresse no que antes interessava, insônia ou sono excessivo, falta ou excesso de apetite, baixa auto-estima, isolamento social, falta de energia ou cansaço, indecisão, apatia ou inquietude, vontade de não estar vivo ou pensamentos recorrentes sobre a morte, memória ruim, com dificuldades de concentração, e até de pensar. Estes sintomas podem ser agrupados em diferentes combinações, gravidade, duração, evolução e resultando em diferentes riscos e complicações.
Estes problemas típicos depressivos podem ser acompanhados ou não de outros sintomas ou problemas, de outras categorias diagnosticas psiquiátricas, ou de outros problemas físicos, mais ou menos complexos, mais ou menos crônicos. Podem ser desencadeados por causas familiares, laborais, escolares, físicas, ambientais, e podem repercutir diferentemente sobre a vida da pessoa, sobre a estabilidade de sua família, sobre seu destino pessoal.
O conjunto pessoa, sintoma, contexto pode levar a diferentes graus de urgência no enfrentamento do problema, na ajuda a ser proporcionada. Para cada conjunto de opções terapêuticas, uma análise de prós e contras deve ser conduzida.
Até mesmo os recursos que cada um tem, ou que lhe faltam - pessoais, familiares, sociais, econômicos e culturais - poderão ser importantes na estratégia de ajuda a ser estruturada - que deve ser sempre a mais simples, menos perturbadora do estilo de vida do sujeito, mais econômica e mais discreta possível: primum non nocere (antes de tudo não atrapalhar, não prejudicar).
Por tanto, não se deve falar de nenhum recurso terapêutico único capaz de dar conta, de modo aceitável, de toda e qualquer forma possível de adoecimento depressivo, para qualquer ser humano, em qualquer contexto.
O atento leitor poderá ter percebido, no título mesmo deste artigo, uma contradição em termos: quê se dirá de um único tratamento que responde por todas as inúmeras formas de sofrimento depressivo? Que as diferenças entre os diferentes pacientes e seus contextos pessoais e históricos é irrelevante, para a fórmula que aqui apresentaremos? Mas, por óbvio, isso não pode ser!
O homem só pode ser compreendido como um ser em busca de sentido. E é na falha deste sentido que o vazio e a angústia depressivos expressam-se na forma de sintomas. É na exceção que o "cardápio terapêutico depressivo" se escolhe sozinho, se impõe, à revelia dos desejos e apetites frustrados.

Das circunstâncias
Ao contrário da nova tradição dos cursos e livrotextos em psiquiatria, nossa apresentação não parte dos medicamentos - não, por desprezá-los, de modo algum! Mas há que se reconhecer que a grande maioria dos quadros depressivos que aflige a população não é de tipo depressivo maior grave, psicótico, endógeno, multirrecorrente, crônico ou bipolar tipo I - que são quadros em que a indicação de um tratamento antidepressivo medicamentoso será dificilmente questionada.
Os quadros depressivos mais comuns, em nossa experiência, têm sido os de pessoas que efetivamente sofrem situações de vida muito desconfortáveis, especialmente inaceitáveis para elas. Situações que o paciente se sente despreparado para enfrentar, para lidar - seus sentimentos, suas insuficiências, as dificuldades e complexidades do problema em si, como se lhe apresenta, atrapalhando-lhe a vida, os planos, as condições aprendidas para merecer a estima social e a auto-estima, o autovalor.
Os motivos são os que surgem no ambiente escolar, acadêmico ou laboral; no casal, na família, na vizinhança, na comunidade; na relação com a saúde - a sua ou das pessoas em relação a quem se julga responsável, ou por quem teme qualquer mal. E as perdas, por ele ou ela inaceitáveis, de expectativas, planos, imagem - seus ou das pessoas que ama.
Um tratamento humano das depressões, afora as situações excepcionais, aparentemente imotivadas, não deve negligenciar a necessidade da maioria dos pacientes de aprender a viver, a enfrentar suas próprias dúvidas e emoções, a lidar efetivamente com os problemas e as armadilhas da vida. Medicalizar desnecessariamente a existência é praticar uma psiquiatria veterinária, é drogar um ser humano.
Mas como ensinar a viver, a lidar, a enfrentar, a superar aquele que desamparado, padece de sua humilhante insuficiência, cheia de culpas e remorsos?
Seria tranqüilizador imaginar que os profissionais da saúde mental recebem esta alcunha por estarem apropriadamente preparados para lidar com este desafio, e para ajudarem aos pacientes neste sentido - os psiquiatras, psicanalistas, psicoterapeutas, conselheiros, lideres espirituais, filósofos clínicos, antropólogos, sociólogos, teólogos, assistentes sociais, enfermeiros psiquiátricos, e outros estudiosos do homem e das ciências humanas.
Infelizmente, a realidade é outra. Cada especialidade é treinada a lidar com algum aspecto muito focal de sua área, empregando alguma estratégia muito limitada que aplicam a todos os problemas, de acordo com sua especialidade e treinamento recebido. A percepção abrangente e multicompetente, necessária na compreensão e ajuda efetiva na maioria dos casos, não é exigência razoável de ser depositada nos ombros de qualquer profissional. E o estreito limite nas habilidades de cada profissional e cada especialidade é a regra esperada.
Infelizmente, entretanto, a descoberta de nossa insuficiência, enquanto profissionais de ajuda, não é, de modo algum, evidente por si só. Descobrimos que não sabíamos, e que aquilo era muito importante, somente depois que aprendemos aquilo - e como aprendemos, retornamos ao estado arrogância e auto-suficiência.
Com 24 anos de experiência tratando pacientes psiquiátricos em geral, e depressivos em particular, tendo organizado 3 serviços psiquiátricos especializados no atendimento das depressões, montados e estruturados por nós, após um relativamente recente re-treinamento intensivo em medicina do sono, vimos nossa clínica sofrer uma forte mudança, com importantes acréscimos de recursos.
Mas esta não foi a única nem a última inflexão em nossa trajetória através das estratégias de ajuda em depressão. Uma longa e única experiência no atendimento de pacientes neurológicos e neurocirúrgicos portadores de sintomas mentais - e depressivos - desde cedo e por mais de 8 anos, enriqueceu a qualidade de nossas práticas, com investigações e recursos até hoje inusuais.
Também sofremos pelo menos dois precoces e intensivos treinamentos críticos na história e constituição dos modernos critérios diagnósticos em psiquiatria, e em especial dos assim chamados transtornos afetivos ou do humor - principalmente com vistas à investigação e ao emprego de medicamentos psiquiátricos (psicofármacos).
É claro que este conjunto de recursos já promovia nossa prática a um padrão deveras incomum, não só no cenário psiquiátrico brasileiro, como internacional. Deveras, nesta época, ainda nos primórdios da internet, já participávamos ativamente de discussões internacionais sobre casos clínicos, centradas no campo da psiquiatria biológica.
Mas intuímos que havia muito mais para enriquecer nossa prática. Os ensinamentos da medicina e da psiquiatria biomolecular ou ortomolecular - nutrição clínica, toxicologia psiquiátrica, metabologia psiquiátrica - enriqueceram sobremaneira minha prática, tornando-me atento a aspectos que antes eu nunca teria sequer investigado - tanto mais valorizado, clínica ou cientificamente. Foram 3 anos de investimento posgraduado para assimilarmos mais este conjunto de paradigmas, assim como foram 8 anos trabalhando com a psiquiatria dos pacientes neurológicos e neurocirúrgicos.
Paralelamente, com o início do SEDA - o Serviço de Doenças Afetivas da Santa Casa de Porto Alegre, que lideramos cientificamente, após um longo investimento em psicoterapia de orientação analítica e em análise pessoal de orientação freudiana e kleiniana, passamos a nos dedicar a estudar e a treinamentos na psicoterapia cognitiva das depressões, ala Bico, que depois aprendemos ser apenas uma das varias correntes e praticas em psicoterapias cognitivas e assemelhadas. Passamos a ensinar, a treinar e a supervisionar alunos nestas técnicas, que já eram, então, amplamente aceitas nos EUA, mas pouco conhecidas ainda no Brasil. Participamos dos primeiros encontros internacionais sobre o assunto, com as principais lideranças internacionais, em São Paulo.
Era notória, de nossa clínica, a relevância das queixas sexuais dos pacientes, ainda mais porque eram fonte de muita ansiedade, sentimento de inadequação e ameaça ao laço conjugal e instabilidade nas iniciativas amorosas, como também prevaleciam entre as queixas mais freqüentes dos usuários dos então, e até hoje, modernos antidepressivos inibidores da recaptação da serotonina. Passamos a freqüentar 2 cursos pós-graduados em seqüência, num convenio Holis-Ludias (Porto Alegre - Buenos Aires) e no Cessex (Brasília). Foram 2 anos de estudos, treinamento, com produção cientifica, ao final, que publicamos na revista brasileira de sexualidade humana. A depressão decorrente do fracasso sexual não será curada com um remédio que agrava o problema sexual!
Nosso percurso, aqui já nos tornava deveras únicos - e solitário. Mas nem por isso menos crítico com nossas insuficiências. Afinal, mesmo com todos estes recursos, pacientes que não melhoravam seguiam a nos desafiarem. Dois caminhos diversos e complementares aos anteriormente trilhados mostraram sua importância quando percorridos. Um, o da Hipnose Clássica e, depois, o da Hipnose Ericksoniana, também chamada Hipnose Moderna, Hipnose Científica - e, para meu gosto, hipnose antropológica, pelas filiações de seus cientistas às escolas de comunicação social, seus amor às fontes e práticas etnográficas, paralelamente à pesquisa dura em psicofisiologia hipnótica.
O outro, pela via da psiquiatria biológica, nos levou a um treinamento intensivo no método considerado até hoje o mais rápido e eficaz no tratamento das psicoses afetivas - quadros depressivos particularmente graves e resistentes aos demais tratamentos: a eletroconvulsoterapia.
Na evolução dos 2 avanços, de um lado, modificamos bastante elementos de nossa pratica em terapia cognitiva das depressões, incorporando a ela as estratégias Ericksonianas. Em relação à ECT, montamos em Porto Alegre um serviço especializado em ECT, denominado Instituto de Terapias Biológicas - Clínica de Eletroconvulsoterapia. Mais recentemente organizamos um outro serviço, agora no Rio de Janeiro - www.ect-rio.com.br. Sua importância e seu diferencial repousam no fato de que, na época, as praticas em eletroconvulsoterapia eram bastante precárias, o que constrangia nossa remessa de nossas pacientes a estes serviços. Hoje ainda temos um serviço que segue inovador, seja em equipamentos mais modernos, em práticas mais avançadas, e em ambiente hospitalar mais seguro, com pessoal mais experiente e mais bem treinado. O que não significa que recomendemos ECT para todo e qualquer paciente - claramente, não.
Mais modernamente incorporamos a estimulação magnética transcraniana como alternativa mais pratica e simples nas depressões resistentes e nos pacientes que não toleram os efeitos colaterais de múltiplos antidepressivos. Nosso doutorado é nesta área, e militamos na jovem sociedade constituída em torno deste procedimento, inclusive como Diretor de Normas.
Antes, porém, ainda de nosso interesse na assim chamada neuropsiquiatria, avançamos em estudos diagnósticos peculiares - a assim chamada neuropsicologia, que nos instrumentaliza hoje a distinguirmos as depressões de certos quadros neuropsiquiátricos, principalmente, mas não somente, em idosos, curso este que novamente gerou ao final um trabalho de conclusão, novamente publicado em revista cientifica nacional.
A psiquiatria forense forneceu-me fortes fundamentos para compreender o universo dos direitos em que todos nós, sabedores ou não, estamos inseridos, e que muitas oferece respostas e soluções para muitas injustiças geradoras de angústia, impotência e depressão. A devida orientação é fonte de alivio indescritível, as vezes. Ainda. No campo da solução objetiva de problemas da vida, em um doutorado não concluído em psicologia pela Universidade de Santiago de Compostella (nem tudo são flores!), estudamos, como foco principal, o assédio moral no trabalho, cujos estudos, aliados aos em uma outra pós-graduação - em Administração, com e fase em Hospitais e Serviços de Saúde - deu-nos uma dimensão da enorme importância dos fatos e da dinâmica do mundo do trabalho na proteção e no adoecimento mental e físico de empregados, funcionários, patrões e chefes. Estes estudos complementaram estudos anteriores, realizados na Universidade de Bar Ilan, em Israel, sobre papéis e métodos de liderança. Este conjunto de recursos técnicos permitiu-me passar a analisar e orientar meus pacientes quando apresentam diferentes problemas na esfera laboral, com segurança e empatia.
Também de meus estudos na Universidade de Bar Ilan, pude apreender toda uma dimensão de entendimentos, da maior relevância, na compreensão do ser humano como um ser espiritual, em busca da transcendência pessoal e histórica. Estes elementos são comumente da maior importância, até hoje, no manejo psicológico dos sentimentos niilistas, do desejo de morte, que não raro acompanha o paciente depressivo.
Você poderá perguntar: mas afinal, mais além da apresentação de seu currículo, como é o tratamento do paciente depressivo? O que estou mostrando é que todos os recursos acima são muito importantes, cada um no seu lugar, no seu momento, com todo e cada paciente, eventualmente. Mas que somos limitados por nossa capacitação e experiência: se tudo com que contamos é um martelo, para nós, o que quer que se nos apresente, julgaremos ser prego; só quando tivermos também uma chavedefenda nos preocuparemos com aquela ranhurazinha em cima de alguns "pregos", mas não de outros... E os chamaremos parafusos, e descobriremos que martelos não resolvem tudo apropriadamente.
Dr. Sander Fridman