sábado, 11 de fevereiro de 2012

O uso de medicamentos no tratamento da depressão

O tratamento da causa da depressão, poderá resolver os sintomas da depressão. O prognóstico da causa da depressão tem, portanto, implicações para o prognóstico dos sintomas da depressão e de seus perigos. As causas podem ser várias, isoladas ou combinadas, com desencadeantes íntimos, sociais, médicos, a serem definidos caso-a-caso.

Devemos, assim, sempre investigar as causas da depressão, e não nos bastarmos com o tratamento dos seus sintomas: uma causa pode ser grave e estar oculta, e os sintomas de depressão podem ser a manifestação de uma doença física, como, por exemplo, alguns canceres, ou, ainda, a experiência, real ou imaginária, de ser tiranizado,  perseguido ou discriminado no trabalho, na escola ou na família.

O advento da psiquiatria enquanto especialidade médica, ensinada em cátedra específica, em oposição apenas a outras duas especialidades médicas, foi proposto, em 1808, por Johann Christian Reil, criador da clinica médica da Universidade de Berlin, anteriormente professor na Faculdade de Medicina da Universidade de Halle, na Alta Saxônia.

As outras duas disciplinas médicas seriam "Farmácia" e Cirurgia. A última trataria as doenças por meio das mãos, artesanalmente, com ênfase no reparo anatômico; a anterior, empregando o raciocinio investigativo e os medicamentos, curaria, portanto, através de fármacos, com enfase no restabelecimento da fisiologia; e a primeira, a psiquiatria, por meio de um grande conhecimento da natureza moral do homem, levaria a cura através das palavras. Este equívoco, talvez, tenha sido responsável pelo nascimento da psicologia clínica - medicina da alma empregando apenas palavras dispensaria o curso médico.

Este conceito da especialidade foi muito cedo corrigido, com a transição de seu foco desde o tipo de procedimento empregado no tratamento, para o tipo de doencas ou sofrimentos com que se ocupa.. Ou seja, em lugar definir-se como a especialidade médica que cura por meio de palavras, expandindo as habilidades ou corrigindo os vícios do pensamento, a psiquiatria logo passou a ser reconhecida por identificar, explicar, prever e modificar a evolução - se possível - dos sintomas e doenças que afetam as emoções, o pragmatismo, a inteligência, a percepção e o comportamento, abrangendo, nesta pretensão as várias causas ou doenças possíveis, sejam elas experienciais, traumáticas, do desenvolvimento, educacionais, biológicas inatas (genéticas) ou adquiridas, complicações de outras doenças físicas silenciosas ou não, etc.

A partir deste momento, não só a palavra, mas todos os recursos médicos capazes de remover as causas primárias ou modificar os sintomas, passaram a fazer parte do escopo das intervenções da psiquiatria, desde que redundassem no alivio dos sofrimentos mentais.

Inicialmente, Reil deu particular importância às condições psiquiátricas febris, e seus tratamentos, então incipientes (citem-se, do conhecimento moderno, o delitium tremens - quase sempre acompanhado de infecções, mormente respiratórias; a neurossífilis - então designada paralisia geral progressiva; a tuberculose, tanto a pulmonar como a meníngea; a neurocisticercose - ou seja, todos quadros clínicos febris, para os quais inexistiam então tratamentos adequados, e que cursavam comumente com salientes manifestações psiquiátricas).

Ainda hoje, apesar da grande mudança na prevalência dos tipos de quadros neuropsiquiátricos mais frequentes, em relação ao século XIX, muitos pacientes com sintomas mentais seguem necessitando de intervenções médicas, não só administrando variados medicamentos e outras formas de tratamentos específicos para suas causas (antibióticos curam a psicose orgânica da neurolues; o alivio pressórico liquórico alivia, comprovando o diagnóstico, um quadro psicótico subsequente a uma hidrocefalia normotensiva; uma Autoimmune Neuropsychiatric Disorders Associated with Streptococcal Infections pode ser tratada e suas recorrências prevenidas; assim também lupus eritematoso sistemico com sintomas psiquiátricos; os quadros decorrentes do uso de diversos medicamentos para diferentes finalidades médicas (como as depressões - e impotência sexual - induzidas por antihipertensivos); causas endócrinas para perturbações mentais que necessitam tratamento hormonal e às vezes até cirúrgicos (hipotireoidismo, feocromocitoma, estrógenos e esteróides medicamentosos, ovários policísticos, etc), cardiacas (isquemicas, arritmicas), otolaringológicas (rinites, labirintite), doenças do sono (pernas inquietas, apnéia, deficiências do sono de ondas lentas e/ou do sono paradoxal, etc), tóxicas (metais pesados, defensivos agrícolas - agrotóxicos), nutricionais (pelagra, beri-beri, escorbuto) e neurológicas (isquêmicas, alzheimer, demência de lobo frontal, pós-concussional, etc), e outras como as desordens da qualidade e/ou da quantidade do sono, comumente sem que o próprio paciente saiba de sua existência.

Quando falamos em tratamento medicamentoso da depressão, não necessariamente estamos nos referindo a tratamentos medicamentosos "sintomáticos, paliativos", ou seja, primariamente desenvolvidos para o tratamento de sintomas mentais da depressão, independentemente de suas causas físicas.

Assim, os sofrimentos locais e difusos que acometem ao cérebro, sejam eles originados no próprio cérebro ou em outras estruturas do crânio, ou em outros órgãos ou sistemas que o afetam, podem produzir uma variedade de sintomas, entre eles os que costumam acompanhar os diversos quadros de depressão, e necessitam ser adequadamente tratados para obtermos o desaparecimento dos sintomas da depressão, sem menosprezarmos a possibilidade de existirem outras doenças associadas e igualmente preocupantes.

Entre os medicamentos considerados "psiquiátricos", ou inespecíficos, sintomáticos, paliativos, encontram-se diversas classes de antidepressivos, estabilizadores do humor, hipnótico-sedativos, anti-psicóticos, hormônios, nutrientes, que são empregados de acordo com o que acusar a história clínica de cada paciente, seus principais sintomas, sua experiência prévia com medicamentos - eficácia e para-efeitos - , sua urgência, e são eventualmente empregados, em especial, quando não são disponíveis recursos para o enfrentamento de suas causas originárias, sejam elas fisiológicas, toxicas, experienciais ou existenciais, e em especial nos quadros de episódio de depressão maior classificável como leves e não-recorrentes.

Levando-se em conta os mesmos critérios, poderão igualmente estarem indicados os modernos métodos físicos de neuromodulação eletricas ou magnéticas (a estimulação magnética transcrania, a eletroconvulsoterapia, a estimulação vagal, a estimulação transcraniana com corrente contínua, a neuromodulacão cerebral profunda).

De fato, os avanços no campo da bioquimica médica, da histoquimica, da farmacologia, da neuroquímica, da psicofiologia e da epidemiologia clínica, bem como, e especialmente, da psicopatologia descritiva, amparada na constante evolução da ciência da psicometria, permitiram que importantes progressos fossem contabilizados no campo dos tratamentos medicamentosos das doenças mentais em geral, e da depressão em particular.

Se buscarmos, na maior biblioteca de artigos médico-científicos do mundo, o número de artigos publicados com a palavra "angina", e que constituem ensaios clínicos randomizados (a categoria de experimentos com medicamentos mais confiável, segundo a tradição médica moderna), encontraremos, para os últimos 5 anos, apenas 111 artigos (levantamento de 20/12/2011, às 22:30h). O mesmo levantamento com a palavra depressão maior, no lugar de angina, encontrou 152 artigos.

A psiquiatria, por mais difícil e inefável que seja seu objeto de estudo - a mente e seus sofrimentos - não perde em fundamentação científica para outras especialidades médicas. Apesar da grande dificuldade que apresenta às pesquisas, em especial pelo longo tempo de observação exigido antes que se possa dizer da eficácia ou não de cada método estudado. Na angina, hipertensão, asma, artrite: aplica-se o medicamento e o placebo, verifica-se o efeito logo depois. Para depressões, semanas e meses serão necessários para afirmar que um medicamento abreviou a duração dos episódios depressivos, tornou-os menos graves e menos frequentes.

Fala-se neste ponto da depressão primária, e não das decorrentes de outras condições de saúde que necessitarão do tratamento adequado para o desaparecimento dos sintomas depressivos - como antibióticos para uma neurossífilis, anti-retrovirais para AIDS, vitaminas para desnutrições específicas, antihipertensivos para uma hipertensáo arterial grave provocando sintomas mentais, ou a troca de medicamentos cujos parefeitos incluem sintomas de depressão de diferentes graus de gravidade.

Medicamentos antidepressivos são muitas vezes empregados apropriadamente no tratamento de alguns casos de depressão, mas não na maioria dos casos. A grande maioria dos quadros de depressão constitui-se de transtornos de ajustamentos com humor depressivo, ou depressivo e ansioso, em que os sintomas da depressão não são tão graves para merecerem a alcunha de uma depressão maior, e os sintomas decorrem comumente de uma dificuldade para lidar com fatos da vida, ou com as emoções por eles evocadas, e percebidas como inaceitáveis ou os problemas incontornáveis - e inaceitáveis - pelo paciente.

Estes quadros de depressão com causa externa bem definida e altamente perturbadores não melhoram consistentemente com antidepressivos, mas sim com o aprimoramento de suas estratégias para o enfrentamento das dificuldades e para lidar com as emoções provocadas.

Estes casos, se tratados com remédios, poderão melhorar até mesmo apesar dos remédios, e os pacientes poderão permanecer usuários crônicos destes, sem a menor necessidade.

Os melhores candidatos aos tratamentos medicamentosos com antidepressivos - fato clinico que é volta e meia demonstrado ou desmentido por sucessivas observações de pesquisa - são os pacientes com sintomas depressivos mais graves e mais variados, e que se associam a fatos da vida que só com dificuldade permitem reconhecer um laço causal, devido à flagrante desproporção entre o sofrimento sintomático e a decepção ou perda.

Ou seja, pacientes portadores de depressão grave, depois de perdas reais com grande repercussão sobre a qualidade de vida, meios de subsistência, saúde, auto-imagem, apresentam comumente uma má resposta aos tramemtos medicamentosos. Preferem-se as psicoterapias (muito qualificadas!), ao menos associadas a medicamentos.

Quando se encontram fatores desencadeantes semelhantes, mas os sintomas depressivos não são graves, é mais apropriado optar, se possível, por uma psicoterapia muito qualificada, em lugar de medicamentos antidepressivos, quando uma boa psicoterapia for disponível para o tratamento do paciente.

Pacientes que tiveram vários episódios depressivos ao longo da vida, mais provavelmente serão melhor tratados se receberem tratamento com medicamentos antidepressivos, ou outros tratamentos sintomáticos da psiquiatria.